Crispim Terral de Souza acusa policial e gerente da agência bancária de racismo. Caso ocorreu em Salvador, no dia 19 de fevereiro, após ele ter ido ao banco solicitar comprovante.

“O que me incomoda até hoje é que ainda sinto dores, sobretudo no maxilar. Está bastante dolorido também no braço, no ombro esquerdo. É bem incomodativo”, diz o comerciante Crispim Terral de Souza, uma semana depois de levar um ‘mata-leão’ de um policial militar dentro de uma agência bancária de Salvador depois de uma confusão com o gerente da unidade. A confusão foi registrada em vídeo, que ele postou na internet.

Crispim deu entrevista à TV Bahia nesta terça-feira (26) para falar sobre o ocorrido. Ele relata ter sido vítima de racismo tanto por parte do gerente quanto por parte do PM. O caso ocorreu na última terça-feira (19), em uma agência da Caixa Econômica Federal que fica próxima ao relógio de São Pedro, no Centro da cidade.

O comerciante conta que a confusão começou após um dos gerentes do banco o deixar por quase 5h à espera de atendimento — ele foi ao local solicitar um comprovante de uma transação bancária. Quando Crispim foi reclamar, o gerente acionou a Polícia Militar e, na abordagem, um policial deu o “mata-leão” nele.

O vídeo que mostra a cena foi gravado pela filha do comerciante, de 15 anos, que o acompanhou até o banco.

“Minha filha está transtornada. Ela é muito sábia e sou grato a Deus por isso. Ao filmar, ela contribuiu bastante para que todo mundo visse que, em pleno século 21, a gente ainda encontra pessoas desse tipo, doentes. Ela ficou sem entender na hora e, hoje, nem aguenta ver o próprio vídeo e, nos primeiros dias, nem estava conseguindo ir para escola e dormir”, destaca.

“Foi um ato racista, acredito 100% nisso, tanto do gerente quanto dos policiais”, relatou.

O cliente do banco disse que registrou boletim de ocorrência de racismo junto à Polícia Civil e à Corregedoria da PM, e que vai processar a Caixa e o Estado por conta do ocorrido.

Confusão

Crispim disse que, no dia da confusão, era a oitava vez que ele havia ido ao banco para tentar solicitar comprovantes bancários de transações com cheques e pedir reembolso de quantias que, segundo ele, foram retiradas de sua conta.

“Fui solicitar um suposto comprovante de pagamento de dois cheques pagos pela Caixa Econômica, sendo que os dois foram devolvidos por estar sem fundo. Também fui requerer a devolução de R$ 2.056 retirados de minha conta há dois meses, indevidamente”, contou.

“O gerente responsável pela minha conta, naquele momento, me atendeu de forma indiferente, enquanto me deixou esperando na sua mesa por 4h47 e foi atender outras pessoas, em outra mesa. Indignado com a situação, me dirigi à mesa do gerente-geral, que da mesma forma, e ainda mais ríspida, me atendeu com mais indiferença. Quando pensei que não poderia piorar, fui surpreendido pelo senhor [gerente-geral] com a seguinte fala: ‘Se o senhor não se retirar da minha mesa, vou chamar uma guarnição'”, relatou.

O cliente do banco contou que quando os policiais foram acionados e, quando chegaram, pediram para que ele e o gerente fossem até a delegacia para prestar esclarecimentos, mas, no decorrer da situação, a exigência do gerente para que Crispim fosse algemado causou a confusão.

“Ele chamou a guarnição e chegaram dois policiais, aparentemente muito tranquilos, calmos educados. Eu estava disposto a não sair dali até que o banco resolvesse meu problema, mas os policiais me convenceram a ir para a delegacia com o gerente. Desci, peguei minha filha, e depois o gerente se recusou a ir até a delegacia e se expressou com sentimento de repudio, de racista, e disse que só iria acompanhar se eu saísse de lá algemado. Falou que só iria à delegacia se os policiais me algemassem, e disse: ‘Não faço acordo com esse tipo de gente'”, contou Crispim.

“Eu estava muito tranquilo, como sou tranquilo, quem me conhece sabe. Quem assiste o vídeo vê que estou numa tranquilidade imensa. A única coisa que eu queria era só exercer o meu direito de cidadão e como cliente da Caixa. É justo a gente chegar num estabelecimento, comprar algo, ou ser cobrado algo, e você ter o comprovante daquilo que você pagou, ou daquele valor que foi retirado da sua conta”, comenta.

Crispim disse que não entendeu porque, depois, os policiais o imobilizaram.

“É inexplicável, porque eu estava muito tranquilo. Eu estava disposto a ir para a delegacia. Em nenhum momento me alterei, nem ofendi ninguém, mesmo me sentindo ofendido, mantenho minha postura de quem eu sou, tranquila, calma. Não imaginaria que teria esse repúdio pela minha cor. Nem minha própria filha que presenciou entendeu nada”, relatou.

No relato postado nas redes sociais, no entanto, Crispim lamentou a forma como foi tratado na agência. “Momento terrível e absurdo. Em pleno século XXI, fui tratado de forma ríspida e claramente fui vítima de preconceito racial”, disse.

O que dizem Caixa e PM

Por meio de nota, a Caixa informou que “até o momento não foi identificada, por parte de nenhum dos seus empregados ou colaboradores, qualquer atitude de cunho discriminatório”. Disse, ainda, que “repudia atitudes racistas ou de discriminação cometidas contra qualquer pessoa”.

A PM contou que, na agência, o gerente relatou que o homem estava solicitando um comprovante de transação que não poderia ser fornecido naquele momento e solicitou a remoção do cidadão do interior da agência, em razão do encerramento do expediente bancário.

Informou que os policiais, então, dirigiram-se ao homem e solicitaram que ele acompanhasse a equipe, junto com o representante da agência bancária à delegacia, para formalização da ocorrência. Segundo os policiais, o cliente se exaltou e dizia que não sairia da agência sem ter a demanda atendida, contrariando a recomendação dos policiais que intervieram no conflito.

A polícia informou que, diante da recusa do cliente, os policiais precisaram usar força, mesmo após diversas tentativas de conduzir o cliente sem o emprego da força. A polícia informou que, no próprio vídeo, é evidente a condução técnica dos policiais militares na ação.