Se de um lado promete economizar 97,3 bilhões de reais, do outro se compromete a gastar 86,85 bilhões. Reação até de aliados mostra desconforto na Câmara

Em Washington, o ministro da Economia, Paulo Guedes, fez questão de usar uma expressão excessivamente coloquial para defender o ímpeto para reformas liberais de Jair Bolsonaro. Mas, dois dias depois de Guedes dizer que o presidente tem “colhões para controlar os gastos públicos”, o Governo desagradou até alguns aliados ao encaminhar para a Câmara dos Deputados uma reforma do sistema de aposentadoria dos militares que traz menos economia do que esperado. A proposta vai na contramão do que tem sido sugerido ao funcionalismo em geral. Ao mesmo tempo em que corta nas pensões, o texto alia benefícios à categoria ao criar um plano de carreira para os membros do Exército, Marinha e Aeronáutica. É o que o Ministério da Defesa batizou de Projeto de Lei de Reestruturação das Forças Armadas.

Na hora de “cortar na própria carne”, o presidente, que é capitão reformado do Exército e deu a integrantes da caserna o comando de oito pastas no Governo e cargos no segundo escalão, foi menos duro do que em comparação com os demais trabalhadores. Na prática, o projeto encaminhado para o Legislativo economiza 97,3 bilhões de reais em dez anos com a mudança no sistema de proteção social dos militares (o equivalente a Previdência deles). Porém, compromete-se a gastar 86,85 bilhões de reais na reestrutura da carreira dos militares. Isso inclui dobrar a ajuda de custo para quando o militar se aposenta, cria gratificações e adicionais que variam de 5% a 32% do soldo (o salário). O déficit do sistema de aposentadoria dos militares é de cerca de 40 bilhões de reais por ano.

Em discurso aos deputados, quando entregou o projeto, o presidente Bolsonaro disse que ela restabelece perdas estabelecidas pela medida provisória de 2001 e que ela é mais dura do que a reforma dos civis. “Se os senhores buscarem a medida provisória e somarem com o que chegou agora, podem ter certeza que é uma reforma previdenciária muito mais profunda que essa do regime geral. Esse é o apelo que faço aos senhores. Ao analisarem essa proposta, levem em conta a que está lá atrás também”.

O tamanho da influência dos militares, que tem o maior protagonismo no Governo desde o fim da ditadura, também se fez sentir nas declarações de Rodrigo Maia, presidente da Câmara e o principal articulador da aprovação das reformas no Congresso. Na terça, Maia disse que os militares estavam “querendo entrar nessa festa no finalzinho, quando já está amanhecendo”, em referência aos gastos do Estado. Nesta quarta, se desculpou pela “ironia” mal aplicada e defendeu a proposta que alia o corte nas aposentadorias ao plano de carreira. “Durante esses anos todos, as carreiras civis dos três Poderes foram sendo beneficiadas pela aproximação do piso e do teto, pela criação de estruturas extrasalariais para civis e hoje temos uma estrutura em que um general quatro estrelas recebe o mesmo que um consultor legislativo em começo de carreira”, afirmou, segundo o site da Câmara.

Questionamentos

Diante dos questionamentos sobre o momento desfavorável para apresentar esse gasto extra, o assessor especial da Defesa, o general Eduardo Garrido, afirmou que desde 2001 os militares vêm sofrendo seguidas perdas e, por se tratar de uma carreira especial – sem direito a greve, hora extra, adicional noturno, FGTS, entre outros –, precisavam de algumas reparações. “Não é reajuste salarial. É reestruturação da carreira. É a valorização da meritocracia”, disse. E completou: “Existe uma espécie de contrato dos militares em que nós nos colocamos à disposição do Estado 24 horas por dia, fazemos um juramento de sacrifício de nossa própria vida”. Conforme o general, a proposta vem sendo discutida há três anos.

As principais mudanças na “previdência dos militares” são o aumento do tempo de serviço limite de 30 para 35 anos e o aumento da contribuição de 10,5% para 14% do salário. O projeto deve começar a tramitar na próxima semana na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, em conjunto com a proposta de emenda constitucional 6/2019, a PEC da Previdência Social. Esta é considerada dura com o funcionalismo o público, com os trabalhadores rurais e com os que recebem o benefício de prestação continuada, que hoje paga um salário mínimo a idosos e deficientes em situação de miséria.

Mal chegou no Congresso, onde era esperada  as críticas já começaram. Até mesmo de aliados-chave. O líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir, diz que a compensação de 10 bilhões de reais é relevante, mas não era o momento adequado para se apresentar mudança na carreira militar. “Era um diálogo que não era o momento de se discutir. O momento agora é de sacrifícios”. O líder do DEM, Elmar Nascimento, seguiu na mesma linha. “A proposta não pode ser seletiva. Tem de dar o mesmo tratamento para os civis como para os militares, senão pode contaminar o ambiente”. Já a oposição promete montar uma frente contra o a reforma da Previdência, que já tem cerca de 170 dos 513 deputados e 27 dos 81 senadores. Para aprovar uma PEC são necessários 308 votos na Câmara e 49 no Senado. No caso do projeto dos militares, é necessário maioria simples.

Algo que é consenso entre os deputados é de que ainda não há votos para a aprovação de qualquer alteração previdenciária na Câmara. Os alertas têm sido emitidos frequentemente a Bolsonaro. Entre os que já o fizeram, está Rodrigo Maia (DEM-RJ), um entusiasta da reforma. “O presidente é a peça chave. A base é do Governo, não é do presidente da Câmara”, disse Maia. A ainda cobrou Bolsonaro. “Se o presidente da República não organizar sua base no parlamento, a gente fica com dificuldade”.

O problema é que as críticas ao Governo não são apenas no Congresso. Pesquisa do instituto Ibope divulgada nesta quarta-feira mostra que a popularidade de Bolsonaro caiu 15 pontos percentuais desde janeiro. Hoje, 34% da população considera sua gestão ótima ou boa é o mesmo índice que considera a administração regular. Em janeiro a aprovação era 49%, em fevereiro, 39%.